Venho escrevendo de uma forma estranha. Às vezes escrevo-me a mim mesmo em folhas de papel que se perdem, em notas do celular que ficam esquecidas por semanas. Não tenho muito a dizer ou talvez eu não queira dizer. Viver sem escrever é como não haver vivido. ¿Què ha de Fer?
Meu anel de compromisso
Comprei um anel na cidade do Porto em 2022 enquanto vazia meu mochilão sozinho pela Europa e o coloquei em meu dedo indicador da mão direita.
Por 10 euros o vendedor me convenceu de que o anel era do Egito, ou da Persia. Eu só queria um anel. Desde então, nunca tirei ele da minha mão. Às vezes para dormir eu o tiro, quando vou na academia ou afins, mas nunca saí de casa sem ele. Nunca viajei sem ele. Se tornou parte do meu corpo. Alguns dirão que é superstição, mas para mim, é um constante aviso e lembrança: não te esqueças de ti mesmo.
Florianópolis
Minha primeira cidade foi Florianópolis. Ali passei minha primeira infância e é na praia de Canasvieiras onde tenho minha primeira memória. É uma lembrança que regressa naturalmente: a constitui o mar, o movimento e o gosto salgado.
Estou eu correndo dentro do mar e engulo um pouco de água do mar, pronto, é isto. Nada mais resta além dessas sensações, que para mim, assim como para Heráclito e Protágoras, são a realidade mais pura que se possa conceber e um traço constitutivo do Ser.
Juan, Ana e Manu
Algumas semanas atrás estávamos no canal da Barra da Lagoa quando a Ana percebeu o sentimento oceânico de se sentir levada pela correnteza e com isso o absurdo de perceber-se fora do controle. Ela disse “pensei que morreria e isso não me assustou, eu senti prazer em me deixar ser levada pela água”. Depois esteve um fim de tarde em que os morros pareciam mais próximos que o normal e que todo o ar estava repleto de partículas azuis; a areia entre os dentes, as conversas sobre filosofia com o Juan, o gosto de cerveja na boca, fotografias da Manu, e uma memória sútil, quase imperceptível, de já haver estado neste mesmo lugar. Saber que uma casinha de salva-vidas lembrará por sempre de mim e de Maru, além de saber-me parte da Barra desde aquele mês que fui com Carolina e encontrei um menino surfando, ele me disse que voltava todo ano lá para rememorar um amor que já não existia em sua vida.
Também fizemos uma amiga Schopenhauriana que nos acompanhou em um dia de praia e ela decidiu cruzar o canal comigo e com o Juan até o outro lado das pedras desconhecidas já quando o dia declinava - e éramos livres para subir aquelas pedras que faziam pequenos cortes em nossas mãos; não haviam avisos nem sinais e nem câmeras, estávamos longe da cidade, e estar longe da cidade é estar perto de si. Que sorte a nossa de haver estado ali, naquele instante que não posso mensurar o seu valor nem seu tamanho, pois quanto pode durar um instante? (esta pergunta quem a fez foi uma amiga em uma tarde feliz). Sei que esse instante que estávamos cruzando o canal e encontrando-nos nas pedras do outro lado, onde ninguém tinha coragem de ir, onde poucas lâmpadas iluminavam, não fugirá das minhas mãos, pois o agarro pelos cabelos e o levo para jantar. Saber-se feliz: isto é uma dádiva, pois a felicidade é algo tão fugidio.
No ódio está a verdade
Há poucas pessoas no mundo pelas quais sinto desprezo. Duas delas são as vizinhas que moram no apartamento em frente ao meu. Mãe e filha, e com elas, uma criança chamada Sofia. Passam o dia inteiro discutindo. Desde a manhã até a noite com suas vozes nojentas. Cada som, cada palavra, cada frase, cada gesto, qualquer coisa que provenha daquele lado me causa repugnância. E este é o ódio mais genuíno que construí ao longo da minha vida.
Me reconheço como uma pessoa boa, sem mais nem menos. Me importo com as pessoas. Me importo mais com a felicidade do Outro que com a minha - quero mais agradar ao motorista de ônibus que me olha com uma cara de nojo do que à mim mesmo. Quero a aceitação do universo pois de alguma forma sinto que preciso provar-me para todos. Talvez, no fundo, sinta que não pertenço aqui, ou a nenhum lado.
Mas chegam estas duas mulheres - e elas são de alguma forma minha porta para a liberdade e eu posso odiar, odiâ-las, eis uma verdade, eis que não é necessário vestir uma máscara, eis que não é necessário performar. Posso ser eu mesmo, finalmente!
O pertencimento é o pertencimento de si mesmo. Pertencer-me.
Mas não posso me render, pois não odiá-las seria como perder de novo a minha verdade, seria como perder esse ínfimo pertencimento a mim mesmo.
Meu propósito então é odiá-las, pois assim eu me sinto livre, assim eu me sinto bem. Olhem como o cristianismo me olha com cara de desprezo, olhem como a moralidade me questiona:
—Odiar? Esta é a fórmula em que encontras tua verdade?
Pois sim, no ódio mais sincero, na repulsa que não me exige a decência do contrato tácito - o contrato moral - eu posso odiá-las desde minha janela, tocar meu piano mais alto para incomodá-las, posso não cumprimentá-las quando as encontro na pracinha e olhar para elas com a minha cara mais verdadeira, a minha cara de desprezo!
O Grilo
Um grilo veio morar na janela do meu quarto. Ele está escondido em algum dos vasos de cerâmica que há com suculentas. Não o consegui encontrar e o seu canto noturno me exasperou as primeiras noites. Mas, depois de uns dias, me acostumei.
Agora o ouço e sabe-se-lá por quê ele canta tanto: a noite toda - as vezes para e respira - mas logo volta a cantar. Ontem, acordei por volta das cinco da manhã de um sobressalto. Achei que estava atrasado para dar uma aula mas ainda faltava uma hora para o despertador soar. Como fiquei muito exaltado por ter acordado de um pulo, não consegui mais dormir e fiquei olhando para o teto, conversando comigo mesmo. Percebi, como se percebe uma pequena alteração em um cômodo, que o canto do grilo estava fraquinho, quase sem fôlego. Pensei que a vida de um grilo é curta, provavelmente não passe de um mês. Imaginei que a vida daquele grilo havia sido dedicada àquele canto noturno e nada além disso. Compreendi que ele não sabia que estava no quarto andar de um prédio em meio à um condomínio com outros prédios e também que ele não sabia que jamais encontraria a um Outro como ele, pois dificilmente poderia um grilo alcançar aquele ponto no mundo que ele havia alcançado. Aquilo me deixou triste. Deve ser coisa de gente da cidade que é tão triste, tão solitária.
Ayer soñé con el Aleph
Soñé con todas las personas del universo, Soñé que leccionaba una clase de Grécia antigua y que la leccionaba mejor de lo que había sido,
Soñé que había escuchado todas las canciones que ya escuché pues hoy a la mañana todas me parecieron repetitivas. También soñé que escribia el nombre Ptollomeh (es el nombre del primer filósofo de la humanidad) de una forma que no se entendía y hoy a la mañana entendí que había escrito en hieróglifos.
Todo esto lo soñé en el espacio de una sala de clases, que se parecia mucho a la libreria famosa que queda em Porto. Y habían chicas que me miraban, se parecían a mis alumnas. Y estaba Zé, que se reía y se sorpreendia de mi dominio de la filosofia.
100sa